Milton trabalhava na substituição de um poste naquele fatídico dia de novembro de 1990. Era mais um dia de trabalho como terceirizado para uma grande concessionária de energia elétrica mineira. A função a ser executada era a substituição de um poste. Naquela época, tinha apenas 23 anos e nunca havia recebido treinamento em Segurança do Trabalho. O encarregado liberou a subida ao poste. No entanto, a alta tensão estava ligada e o jogou ao chão antes mesmo de terminar de subir. O choque que levou foi de 7.900 volts, o suficiente para que perdesse o braço esquerdo na hora e depois de 20 dias, as duas pernas."Quando tomei a descarga de alta tensão, caí no chão e pedi para que não me deixassem morrer. Com o acidente, aprendi tudo de novo", conta Milton Ribeiro Marcelino, hoje aos 43 anos. Assim, Milton continuou sua vida: constituiu família e lutou por 18 anos para obter na justiça o direito à indenização e à pensão vitalícia. "Tenho meu filho e minha esposa. Não queria morrer e deixá-los sem nada", diz.
Quase 20 anos depois do acidente de Milton, os terceirizados continuam sendo os que mais morrem no setor elétrico. Isso é o que mostra o estudo do Sindieletro/MG (Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais) e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) - "Terceirização e morte no trabalho: um olhar sobre o setor elétrico brasileiro". O relatório foi baseado nos dados da Fundação COGE (Fundação Comitê de Gestão Empresarial), que reúne 64 empresas responsáveis por 90% da energia produzida no País.
A análise mostrou que em 2008, a taxa de mortalidade da força de trabalho do setor elétrico foi de 32,9 mortes por grupo de 100 mil trabalhadores. Essa taxa entre os trabalhadores terceirizados foi 3,21 vezes maior do que a do quadro próprio, sendo de 47,5 para os terceirizados contra 14,8 para os trabalhadores próprios.
"No nosso entendimento os trabalhadores terceirizados possuem condições de trabalho piores em relação aos trabalhadores próprios, que vão desde o treinamento dado para exercer a função, passa pela falta ou não da utilização de equipamentos de proteção, e culmina com questões relacionadas a salários e benefícios menores e mesmo a falta de representação sindical", analisa o técnico do Dieese na Subseção do Sindieletro/MG, Fernando Duarte.
Fernando acredita ser essencial que o trabalhador do setor elétrico tenha boa formação técnica. No entanto, os menores salários do terceirizado vão contra esse ideal. Jornadas de trabalho extensas para melhorar o ganho e a cobrança por produtividade também interferem na questão. "São fatores importantes para se compreender a maior taxa de mortalidade dos trabalhadores terceirizados em relação aos trabalhadores próprios", diz o técnico.
"No que se refere às ações junto às contratadas, o cenário realmente não é tão otimista. Não acho que o problema seja o fato de terceirizar. Se isso for bem feito, é válido. Conheço indústrias que contratam grandes e renomadas empresas para ficarem responsáveis pela operação e manutenção elétrica do empreendimento com resultados altamente satisfatórios. Todavia, é preciso que se remunere razoavelmente a empresa terceirizada, para que ela possa oferecer aos seus empregados as mesmas condições de Segurança do Trabalho que são oferecidas aos empregados das empresas do setor elétrico", avalia o gerente de SST da Fundação COGE, Cesar Vianna Moreira.
O gerente da Fundação acredita que o Relatório de Estatísticas de Acidentes no Setor Elétrico Brasileiro - 2008 da instituição, utilizado pelo Dieese, mostra a transparência da área. "Seria muito bom para o nosso País que outros setores produtivos assim apresentassem os seus dados, a fim de que as ações preventivas ou corretivas seguissem as prioridades e necessidades específicas de cada segmento", afirma Moreira.
Na análise da Fundação COGE, as atividades ligadas à construção e manutenção de redes elétricas, consideradas de maior risco de acidentes, vêm apresentando resultados ainda insatisfatórios. No entanto, percebem uma queda de 30% na taxa de mortalidade entre as contratadas no geral, de 2004 para 2008, que foi de 67,56 para 47,49 em cada grupo de 100 mil trabalhadores. A instituição aponta ainda uma queda na taxa de gravidade.
Fonte: Revista Proteção / Foto: Benedito Maia
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