terça-feira, 12 de janeiro de 2016

EM DEFESA DA ENGENHARIA NACIONAL

A audácia do TCU contra os acordos de leniência

Os acordos de leniência são a forma de evitar que a Engenharia Nacional seja sucateada e que
centenas de milhares de trabalhadores percam o emprego.


J. Carlos de Assis*
Divulgação DNIT (março 2010)
Em artigo anterior cometi o erro de atribuir à Procuradoria Geral da República
a iniciativa de contestação da medida provisória editada em dezembro pela
Presidenta para regular os acordos de leniência – isto é, o marco jurídico
pelo qual empresas envolvidas na Lava Jato, por exemplo, podem estabelecer
acordos com o poder público para continuar trabalhando com órgãos do
Governo mediante colaboração com a Justiça na admissão de irregularidades.
A iniciativa não foi do Ministério Público. Foi da infame Procuradoria do TCU.

A revolta do TCU com a medida provisória é ter ficado de fora das negociações
dos acordos. Só poderá pronunciar-se depois do acordo pronto. Ele queria
meter o bedelho lá dentro ainda no processo de negociação. Isso significa que,
a seu ver, não seria suficiente envolver nos acordos o Ministério Público
Federal, a Advocacia Geral da União e a Controladoria Geral da União. Para o
acordo ser honesto, a participação de todos esses órgãos não basta. Precisa
do próprio TCU. Detalhe: TCU não é órgão do Judiciário. É um simples
coadjuvante do Congresso Nacional no processo de avaliação de contas do
Governo. Não tem poder decisório. Portanto, não há qualquer razão para se
meter nos acordos de leniência.
Por que então a insistência insolente do TCU em enfiar-se nos acordos? Se
derem uma olhada no prontuário de muitos conselheiros federais e estaduais dos
TCs, verão que os controladores de contas não raramente confundem contas
públicas com contas pessoais. De fato, há uma grande ingenuidade na opinião
pública ao pensar que, diferentemente de outras instituições do Estado, o TCU
é um reservatório de honestidade. Alguns deles são tão corruptos quanto
os controlados. A maioria certamente não resistiria a 10% de uma Lava Jato!
Anos atrás fui assessor do jurista João Luís Duboc Pinaud na Secretaria de
Justiça do Rio. Ele conseguira recursos federais para construir um grupo de
presídios de porte médio no Rio, mas não conseguia de forma alguma liberá-los
para aplicação no Estado. O TCE não deixava. Fazia várias exigências para
aprovação do edital – o que já é uma aberração, pois o tribunal é de contas,
não de editais. Em determinado momento, deduzimos que queriam dinheiro.
Não havia como a gente dar, e não aceitaríamos dar através de empreiteiras que
construiriam os presídios, tal como queriam. Resultado: a obra não saiu.


Os membros dos TCs, tanto no plano federal quanto no estadual, são, em geral,
recrutados entre políticos que perderam os mandatos ou patrocinados por
políticos corruptos. É uma vergonha nacional, um acinte à sociedade brasileira. A
maioria não se dá o trabalho de escrever um parecer. Todo o trabalho é feito
por assessores, remunerados com salários escandalosos e com oportunidades
de negociatas. Atualmente, tendo em vista o derretimento geral das instituições,
eles se aproveitam das circunstâncias para não só ganharem dinheiro  mas também
obterem vantagens com politicagem, como esse ataque à MP.

A alegação, no caso da leniência, de que a iniciativa da Procuradoria do TCU
visa proteger o interesse público é cínica. É brincar com os interesses da sociedade.
Os acordos de leniência são a forma de evitar que a Engenharia Nacional seja
sucateada e que centenas de milhares de trabalhadores percam o emprego. 
Em vários artigos defendi que, tendo em vista irregularidades cometidas, é
fundamental separar empresário de empresas. Empresas, para proteger
tecnologia, capacidade construtiva e empregos, devem ser mantidas. Já os
empresários devem pagar pelas irregularidades. É isso que visa o acordo de
leniência na forma da MP baixada por Dilma, até mesmo com certo atraso, mas
com indiscutível apoio social.


*Jornalista e economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de “Os Sete Mandamentos do Jornalismo
 Investigativo”, Ed. Textonovo, SP, 2015.
Inicialmente publicada na Carta Maior.

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